Conhecer e amar
Publicado em 13/06/2022 10h21 - Atualizado há 2 anos - de leitura
Nesta semana dos namorados, lembrei de uma frase escrita
por Santo Agostinho, que viveu no terceiro século da era cristã:
“Só amamos o que conhecemos”. Podemos interpretar a frase
de outra forma: para amar verdadeiramente, é preciso conhecer
o objeto do amor.
Pois bem. Quando falamos de namoro (no meu tempo de adolescente
chamava-se “paquera”), o que desperta o interesse é
a beleza do parceiro (ou parceira), pouco importando se a tal
beleza está nos nossos olhos ou na pessoa que chamou nossa
atenção. O choque elétrico inicial é aquele “tchã”, aquele “tesão”,
que todos nós conhecemos. Depois, com o passar do tempo, é
que vamos conhecer, interpretar e decidir se, efetivamente, aquilo
pode se transformar numa coisa que chamamos de “amor”. Não
é bem assim?
Por isso os namoros de hoje são mais felizes, mais livres, e
talvez mais frágeis. Só sobrevivem aqueles que se consolidaram
em admiração e respeito, ou seja, em conhecimento. Ainda bem
que seja assim.
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Você conhece alguém apaixonado por música clássica? São
raras as pessoas com esta paixão. E se encontrar alguém assim,
pode observar. Trata-se de alguém que estudou algo sobre a
música, conhece sua origem, os instrumentos que compõem a
orquestra, sabe sobre o autor e o tempo em que ele viveu. Como
é uma paixão rara, é um bom exemplo. Só ama a música clássica
quem a conhece.
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E a literatura? Conheço muitos apaixonados por ela, e invariavelmente
são pessoas que conhecem os livros, seus autores,
o contexto social em que as obras apareceram, etc. A literatura
brasileira, por exemplo, é uma forma magnífica de conhecer o
Brasil e sua gente. Mas para isso é preciso conhecer Jorge Amado,
Veríssimo, Drummond, Darcy Ribeiro, Suassuna, Graciliano,
Raquel de Queiroz e tantos outros. O perigo, neste caso, é que
a literatura se torne uma paixão para o resto da vida. Daquelas
que vale a pena!
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Penso que no Brasil atual estamos precisando, com urgência, de
pessoas apaixonadas por política e pela democracia. Nossa crise
de valores nestes campos é imensa. O que temos é um oceano
imenso de palpiteiros, daqueles que dão opinião sobre o que não
conhecem e sobre o que não amam. Eles têm solução pronta,
na ponta da língua, para todo e qualquer problema brasileiro.
Via de regra, soluções equivocadas. Quantos, no seu círculo de
amizades, saberiam dar uma definição sobre forma de governo,
forma de estado, sistema de governo, sistema econômico, democracia
e partição de poderes? Se contar nos dedos da mão,
pode sobrar dedo...
Muitos veem apenas a política ao seu redor, capaz de lhes
proporcionar alguma vantagem imediata. Apenas isto. De resto,
se dizem patriotas, botam uma bandeirinha no carro, e acham
que conhecem alguma coisa sobre o país. Nossa crise está nesta
ausência de uma relação amorosa entre o cidadão e o país em
que vivemos. Não conhecemos, por isso não amamos.
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E para terminar, uma homenagem ao namorador, aquele que
ainda busca conhecer alguém que valha a pena. O cara entra no
bazar e pergunta à atendente:
— Vocês têm aquele cartão do dia dos namorados com a frase
“Você é o único amor da minha vida?”
— Temos, sim.
— Vou levar seis...