A Coxilha canta, o Musicanto emudece
Publicado em 07/08/2021 09h31 - Atualizado há 3 anos - de leitura
Cruz Alta tem seu festival de música nativa, a Coxilha Nativista. Sua 41ª edição foi realizada de 28 a 31/07/21. Em função da pandemia provocada pelo coronavírus, este ano se realizou pelo formato virtual. Segundo veiculado, foram selecionadas 20 canções entre as 485 inscritas. Como novidade, a edição deste ano foi comemorativa aos 200 anos de emancipação do município. Venceu o festival o músico Jari Terres com Peão Mensual por Ofício, canção interpretado por Cristiano Fantinel, conquistando o troféu Érico Veríssimo. Em síntese, a Coxilha Nativista cantou parabéns a Cruz Alta. Já o Musicanto não consegue cantar parabéns a Santa Rosa nos seus 90 anos. Que pena!
Voltando no tempo, na década de 1980, o Estado RS vivia a era dos festivais. Em Santa Rosa, em 1983, um grupo diminuto de idealistas pensou em também realizar um evento do gênero. Esses eventos eram promovidos, em geral, em dois locais: 1) em auditório para o concurso de músicas inéditas e 2) em acampamento para cultores da arte, troca de culturas e lazer. Daí o nome Cidade de Lona. Santa Rosa tinha os dois ambiente - diga-se en passant - com invejável infraestrutura: o Centro Cívico, à época sem nome, ainda cheirando à tinta, construído pelo saudoso prefeito Antônio Carlos Borges, e o parque de exposições Alfredo L. Carlson. O sonho do pequeno grupo, em condições adversas, foi avalizado por um jovem prefeito, o saudoso Erni Friderichs.
As dificuldades da época para esse tipo de promoção, friso, eram imensas. Não havia lei de incentivo à cultura. Mas o prefeito bancou a ideia, para muitos uma aposta no escuro: se desse certo, consagrava o prefeito; se desse errado, liquidava o prefeito. Deu certo, e à medida em que demonstrou ser um inovador projeto cultural, as adesões se multiplicaram. Lembro que a ideia inicial era a de um festival nos moldes de outros realizados no Estado. No entanto, graças à coordenação entregue a Luiz Carlos Borges recebeu a formatação sul-americana. O impacto foi grande. A imprensa gaúcha e brasileira, ao tempo em que elogiava o arrojo dos criadores do novel evento, dizia que era o festival certo no lugar errado. Aliás, próprio de quebra de padrões tradicionais.
Em suma, com a cara e a coragem, Santa Rosa inovou e, inovando, surpreendeu. Formatou um evento que não só se irradiou para além das fronteiras do RS (logo passou a ter canções vindas de GO, MG, SP, BA, MT, RJ, TO etc) como também do Uruguai, Argentina, Chile, Equador etc. Lembro também que, no aporte financeiro, foram gigantes o saudoso João Pulcinelli (revendedor Ford), patrocinador de um automóvel ao 1º lugar por nove edições seguidas, uma atração extra para os compositores, e o do saudoso Oscar Buttembender (indústria Ervateira Vier) no patrocínio dos impressos.
Passados 38 anos, como gostaria de, no dia 10 de agosto, ouvir o Musicanto cantar Santa Rosa! Pois é ..., mas neste ano não dá mais. Não há tempo. E no ano que vem? Também não. Segundo a Fenasoja, somente em 2023. Nossa! Isso frustra qualquer projeto de elevar o Musicanto à condição de Patrimônio Imaterial da Humanidade. Caindo na real, Santa Rosa tem projetos econômicos que orgulham: Fenasoja, Hortigranjeiros, Indumóveis, mas falta a percepção de que o Musicanto é um evento cultural - por ser criação humana por excelência - mas também econômico. Que o digam os donos de bares, restaurantes e hotéis; prestadores de serviço etc.
Como diz Luiz Coronel, “Um mundo sem arte é um rio sem peixes”. Parafraseando o poeta gaúcho, que já teve poema seu musicado, concorrendo no Musicanto, afirmo que sem música o mundo é um rio sem peixes prestes a secar. O Mar Morto (Israel, Palestina e Jordânia), assim denominado por não ter vida, é um exemplo: tem prazo de validade.
Prefeito Mantei, Vossa Senhoria que vem administrando com competência o Município, nos festejos dos 90 anos de emancipação político-administrativa bem que poderia dar um presente à cultura sul-americana: anunciar a realização anual do Musicanto como programa de governo, através da Prefeitura ou a quem o Poder Público municipal delegar competência. Por que não, prefeito, já para 2022, sob sua presidência, seguindo Osmar Terra quando prefeito?